Romance distópico retrata conflitos sociais de um Rio de Janeiro teocrático e evangélico após crise climática

“A gente tá caminhando a passos largos a um futuro muito parecido com o do livro”, comenta o escritor Everton Behenck

Usar o futuro para debater o presente é o sincero convite do novíssimo “Entre o Céu o Sal”. Romance de ficção, escrito por Everton Behenck e publicado pela Editora Nacional, é o primeiro livro do Brasil com capa feita por inteligência artificial (Midjourney).
Ambientado na zona sul do Rio de Janeiro, totalmente alagada pela água do mar, a obra fala sobre a elite que expulsou os moradores dos morros para dar lugar aos novos bairros. Aos pobres, sobrou a alternativa de invadir os prédios tomados pela água e fazer dali sua moradia.

Zias, o protagonista, é criado no exílio em Portugal depois do assassinato do pai e vive nas ruas de Lisboa em meio ao crime, às drogas e ao vício digital. Tudo muda quando recebe a notícia de que seu pai ainda estaria vivo e só ele poderia salvá-lo. Então, parte para o Rio e descobre ser “o escolhido” para assumir a igreja evangélica revolucionária liderada por seu pai. Zias encontra uma cidade tomada pela água, organizada legalmente pela milícia, onde uma nova droga assola as igrejas e trabalhadores de aplicativo fazem qualquer coisa por alguns trocados.

Ao mesclar elementos reais e imaginários, trazendo também um retrato do passado político brasileiro, “Entre o Céu o Sal” provoca no leitor a reflexão sobre a distância que separa o passado, o presente e este futuro, além de expor as grandes tensões do nosso tempo: o crescimento das religiões neopentecostais avançando sobre a política; a crise do clima; os vícios digitais; a falta de emprego; o poder cada vez maior da milícias ‘oficializadas’; e o antigo problema do tráfico de drogas se atualizando nas comunidades.

“Este é um livro que olha para o futuro de um ponto de vista periférico. E o que a gente viu nas periferias do Brasil este ano foi uma mistura perigosa de política e religião. Todo mundo tem a avó na igreja, aquela tia que a gente ama, a fé delas precisa ser respeitada. As igrejas às vezes são as únicas instituições que estão nas periferias lutando pelo viciado, pelo traficante, pelo ex-presidiário, mas não dá pra admitir, por exemplo, que Pai de Santo seja expulso da comunidade e discriminação com quem é de matriz africana. Esse conservadorismo de algumas vertentes neopentecostais traz um alerta: é só parar pra pensar um minuto que a gente dá de cara com esse apagamento e com essa maldição da cultura negra. Outro passo a gente dá de cara com o preconceito contra LGBTQIA+. Mais um passo a gente dá de cara com a interdição do debate sobre controle das drogas, que é o único caminho pro Brasil parar de matar e prender pobre e preto. Se estes pastores de algumas igrejas tomarem conta da política (eles já tem 20% da câmara), para onde eles vão levar o Brasil? Junta isso com uma política fascista e uma máquina de fake news que radicaliza e fanatiza as pessoas… A gente tá caminhando a passos largos para um futuro muito parecido com o do livro”, comenta Behenck.

Poeta, redator, músico e pai, Everton Behenck já lançou dois livros de poesia, “Os Dentes da Delicadeza” e “Nada Mais Maldito que um Amor Bonito”. Foi na publicidade que seu trabalho ficou conhecido em todo o país, escrevendo os roteiros das clássicas campanhas de fim de ano do Banco Itaú.

Nascido na periferia e criado nos terreiros do Candomblé, viu de perto as mudanças sociais e religiosas das últimas décadas e sentiu-se arrastado para esta viagem vertiginosa pelas questões complexas que estão definindo o presente e o futuro do Brasil e do mundo.

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