As histórias foram selecionadas pelos próprios alunos do projeto na aula de Pitching
O projeto Cinema Leva Eu, criado pela Escola Brasileira de Audiovisual (EBAV) e o Instituto Zeca Pagodinho, acaba de selecionar cinco argumentos de sua formação em produção audiovisual para virarem curtas. Com objetivo de capacitar e incluir moradores da Baixada Fluminense na produção de conteúdo para o cinema nacional, todas as histórias que participaram das aulas de pitching, onde aconteceram as rodadas de negócios realizadas pela própria turma, abordam recortes de situações locais.
“A EBAV, tem um grande respeito em descobrir e dar oportunidade a grandes talentos da Baixada. No início do nosso projeto, apenas três argumentos seriam escolhidos, mas seria impossível não dar mais oportunidade aos nossos talentosos alunos. É extremamente gratificante ver cada um se desenvolvendo e trazendo à luz temáticas necessárias que não são problemas apenas encontrados na Baixada, mas também em qualquer lugar do mundo. Além disso, por conta da dificuldade de mobilidade urbana que o morador da Baixada Fluminense enfrenta, temos o cuidado de buscar e levar os alunos para suas casas e nos preocupamos também com a alimentação dos mesmos, porque isso também faz toda a diferença para que eles tenham um melhor aprendizado e aproveitamento das aulas”, conta Sergio Assis, produtor audiovisual e fundador da EBAV.
Dentre os cinco selecionados, “9 horas em Deodoro”, do Dj Dorgo, de 27 anos chama a atenção. Cria do Morro Agudo, em Nova Iguaçu, Dorgo é seu nome artístico. De batismo, Marlon Gonçalves além de DJ é produtor cultural/executivo, além de poeta, MC, Rapper e, desde abril, Diretor de Cinema. Em seu argumento vencedor, o jovem talento aborda as movimentações artísticas nos transportes do Rio de Janeiro e o impacto de sua proibição através da trajetória de 2 coletivos o “Enraizados no Vagão” e o “Nós da Rua”.
“Já trabalhei com muita coisa desde jovem, assim como a maioria das pessoas do local onde venho. Porém, desde que me tornei o Dorgo e comecei a fazer tudo o que faço hoje em dia, me transformei. Já produzi 48 edições da Batalha de Morreba, um circuito de rodas de rimas chamado “Independência BXD”. Já me envolvi em outros projetos também, toquei em toda a Baixada Fluminense e também em outros locais até chegar no Rock in Rio em 2019. Até o momento, já dei cerca de 200 aulas e oficinas e também sou co-criador do “Enraizados no vagão”, onde pude rodar todo o estado levando um pouco da minha história em cada canto. Agora, posso mostrar as histórias que surgiram nesta jornada através da mágica do cinema e estou extremamente honrado com isso”, conta DK Dorgo.
Outra história selecionada é de Gabriel Leal, de 26 anos, morador de Nova Iguaçu. Intitulado de “Ninguém Via”, Gabriel é estudante de produção cultural no projeto Cinema Leva Eu, mas também é cantor, MC, compositor, ator e vendedor. Para ajudar nas despesas de casa, o jovem vende empadão no Instituto Federal de Nilópolis, onde estuda, além de postar suas músicas autorais em seu canal no YouTube.
Em seu curta, “Ninguém Via” narra a história de Julia que descobre uma doença degenerativa e que, ao sair desnorteada após a notícia, volta para sua terra, Nova Iguaçu, e conhece Adonis. O encontro de ambos muda a vida de Julia completamente, quando ela descobre que o que ninguém via, apenas ela poderia ver.
Já Matheus de Carvalho, de 27 anos, nascido e criado em Nova Iguaçu, vai ver “Odisseia Fluminense” virar curta. Além de ser aluno do projeto, Matheus é cineclubista, produtor e editor audiovisual. Desde 2013, está envolvido em atividades socioculturais da Baixada Fluminense, tendo atuado em mostra de cinema, cineclubes, festivais, cobertura de eventos, atividades musicais, além da produção de documentários.
Seu argumento, Odisseia Fluminense, conta a história de uma mãe solo e proletária, moradora de Nova Iguaçu, que trabalha no Centro do Rio e, trazendo à luz a rotina de diversas pessoas, pega o trem lotado às cinco da manhã para retornar ao lar após às 22h. No entanto, certo dia seu patrão pede que a trabalhadora faça hora extra e, por não poder negar, perde o último trem do ramal Japeri. O curta promete mostrar a realidade de muitos moradores da Baixada que trabalham no Rio de Janeiro e, para chegarem até lá, precisam enfrentar um meio de transporte precário e lotado, além de uma longa viagem.
“O drama de Odisseia poderia ser um caso dos milhares de trabalhadores em todas as ‘baixadas’ do Brasil, que estão acostumados a dar mais que receber, a serem resilientes por não lhe restar outra opção. E ao contrário do que pensam a grande maioria privilegiada, esse povo não é e nunca foi digno de pena, muito pelo contrário. Afinal, são essas as pessoas que carregam nas costas o peso do amanhã, dentro de um vagão de trem 5 vezes na semana. A obra é situada no Brasil contemporâneo, mas essa ferida social de desprezo é recorrente e inerente à história do Rio de Janeiro”, conta Matheus.
Com apenas 20 anos, Maria Carolina Gomes, moradora de Xerém, foi uma das finalistas com seu “FNM: A Vila de Operários”. Antes de chegar ao projeto Cinema Leva Eu, Maria teve seu primeiro contato com a arte durante a pandemia, onde começou a empreender vendendo diversos produtos, como cangas, camisetas e ecobags, tingidos à mão por ela. Estudante de Publicidade e Propaganda, atualmente também é estagiária do Instituto Zeca Pagodinho, onde começou a dar o pontapé na sua carreira dentro do cinema.
Em seu curta, a jovem quer resgatar um passado histórico de várias famílias que possuem relação com a FNM – Fábrica Nacional de Motores, inaugurada em Xerém no ano de 1942. A fábrica que, durante a Segunda Guerra Mundial, era responsável por produzir motores aeronáuticos, passou a ser, a partir da parceria com a marca italiana Isotta Fraschini, a primeira fabricante de caminhões do Brasil.
“Quero resgatar lembranças de um passado que pertence a várias pessoas do local onde moro. Meu avô veio de Minas para trabalhar na fábrica, por exemplo. A FNM foi a responsável por custear a vinda de diversos operários de diferentes partes do país e, assim, foram sendo construídas essa vila de operários para abrigar esses trabalhadores. Durante 45 anos, a empresa e as vilas fizeram e marcaram história. Por isso, sinto que devo contar isso para que mais pessoas possam conhecer a importância deste momento. Quero que as pessoas tenham acesso a um período que marcou o cenário urbano de Xerém e as lembranças de todos aqueles que presenciaram essa evolução. Como era a rotina e a vida naquele período? O que fez esses operários saírem de seus estados para morarem em uma cidade industrial? Eles sofreram repressão durante o regime militar? E como o fim da fábrica impactou a vida deles e de suas famílias? É através das recordações narradas no curta que vamos descobrir o que está por trás de tudo isso. Afinal, lembranças são como fotografias que nunca se apagam”, conta Maria.
Outro argumento vencedor foi “Uma Questão de Ética”, de Marcelo dos Santos, de 40 anos de idade. Pai de um menino de 13 anos e bacharel em Teologia, Marcelo também tem licenciatura em História e Filosofia, sendo mestre na última e também ensina História, além de estar cursando doutorado na área.
“Uma questão de ética” narra a vida um professor de filosofia, aparentemente sem ética, que precisa ensinar lições da ética para estudantes de uma escola particular de Duque de Caxias, mas ele inova e desafia os estudantes a porem em prática algumas das mais polêmicas teorias da ética e causa um grande reboliço na escola.
“Como professor, quis trazer a realidade das nossas salas de aula para o cinema. Os professores possuem o gigante desafio de fazerem a diferença na vida dos alunos, de ensinar cada um a ter um pensamento crítico e, de fato, ensiná-los a praticar tudo o que é visto em sala de aula. Só que nem sempre isso pode ser bem visto. Estou extremamente feliz em poder dar vida a essa história e de poder realizar meu sonho de dirigir um filme, que agora começa a se tornar realidade com a minha participação no projeto Cinema Leva Eu”, finaliza Marcelo.
À frente do projeto Cinema Leva Eu e junto a Sergio Assis, estão diretores e professores de cinema, como Hsu Chien e André da Costa Pinto, e também a Louiz Carlos da Silva, filho de Zeca Pagodinho e diretor-geral do Instituto que leva o nome do pai.
No corpo docente do projeto, profissionais do mercado são os responsáveis por ensinarem aos alunos atuação, roteiro, Direção, Argumento, Produção e Produção Executiva, Fotografia, Captação de Som Direto, Edição de Som e Pós-Produção de Som, pesquisa, direitos autorais e parte jurídica, entre outros.