Victor Kinjo e sua antropofagia pop ancestral registrada no álbum ‘Terráqueos’

(Crédito: Estúdio Claraboia e Kim Lee Kyung)

Victor Kinjo é cantor, compositor, pesquisador e produtor paulistano de origem shimanchu (povo indígena das Ilhas Ryukyu, Okinawa/Japão). Indicado ao Prêmio da Música Brasileira 2018 como Melhor Cantor Regional pelo seu primeiro disco KINJO (Matraca/YB Music, 2017), em seu novo álbum TERRÁQUEOS, mescla sonoridades e línguas do mundo para refletir sobre um pertencimento planetário.

“Existe um ditado shimanchu que diz “icharibaa chode”, somos irmãos quando nos encontramos. Nesses tempos de pandemia, emergência climática e guerra, acredito que precisamos ao mesmo tempo enfrentar as injustiças históricas que se reproduzem no presente e resgatar nossa ancestralidade comum. Afinal, somos todos terráqueos, feitos de terra e água. Não somente os humanos, mas também os bichos, rios, cidades e florestas”.

Lançamento da YB Music, o disco começa com uma canção que mistura um poema em tupi do Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade, com uma canção tradicional em uchinaaguchi, a língua indígena de seus avós (reconhecida pela UNESCO como em risco de desaparecimento).

O trabalho ainda traz versões okinawanas de Um Índio (Caetano Veloso), Lugar Comum (Gilberto Gil e João Donato) e Todo Cambia (Julio Numhauser/Mercedes Sosa), bem como composições próprias em português, inglês, francês e uchinaaguchi. Essa alquimia é assinada pela produção musical de João Antunes, Ivan Banho e Guilherme Kastrup, consagrado no Grammy Latino pelo disco “Mulher do Fim do Mundo”, de Elza Soares. 

“Durante o meu doutorado em Ciências Sociais na Unicamp, percebi como é invisível a diversidade da música, identidades e histórias asiáticas no Brasil, fruto de uma geopolítica das representações e da hegemonia ocidental que se reproduz acriticamente nas mídias, rádios, filmes, livros e festivais na América Latina. Percebi também o poder da música, principalmente nas cosmologias indígenas, em que as canções trazem ensinamentos: são ao mesmo tempo filosofia, literatura e encantamento. O uchinaaguchi já quase não é mais falado no cotidiano, mas segue vivo nos cantos do nosso povo”.

Em 2021, Kinjo lançou VEM PRO RIO, primeiro single de Terráqueos, com um videoclipe gravado em expedição pelos 1136km do rio Tietê, da nascente, em Salesópolis, até a foz, no rio Paraná. O trabalho culminou no I Festival Navega SP, que reuniu artistas, cientistas e lideranças da sociedade civil num barco atracado no Cebolão, no encontro dos rios Tietê e Pinheiros, ainda poluídos, em São Paulo. Todas essas ações integram a sua pesquisa de pós-doutorado, no Instituto de Estudos Avançados da USP, sobre cultura e regeneração de rios urbanos em São Paulo e outras metrópoles globais, com apoio da FAPESP.

“Vocês acham razoável, em pleno século XXI, uma metrópole como São Paulo viver com tamanha indiferença em relação a suas águas? E o ecocídio do Doce em Mariana e do Paraopebas em Brumadinho? Nossos rios refletem a insanidade, insustentabilidade e injustiça da nossa economia predatória e (des)organização social”.

Atualmente, Kinjo está no Japão, onde lança o disco TERRÁQUEOS com shows em Koza e Tóquio. Lá investiga a contaminação dos rios de Okinawa por PFOS (Ácido Perfluoro-octanossulfônico) pelas bases militares norte-americanas que ocupam, desde a segunda guerra, 20% do território da ilha contra a vontade da população local.

“Como dizia o mestre okinawano Seihin Yamanouchi, ´A música é a arma que traz a paz no mundo, a arma que pode acabar com a bomba atômica é a música.´ Enfim, sonhos terráqueos para adiar o fim do mundo.”

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