Disco de rock conta história de amor autobiográfica com participações de artistas como Otto e Jajá Cardoso, vocalista da Vivendo do Ócio
Ouça aqui: https://www.youtube.com/watch?v=TGxBcxfUU6I
O músico, compositor e cantor baiano Caian lança o álbum de rock “Paixão e outras drogas”. Com 13 faixas, este segundo disco do artista é o depoimento quase cronológico de uma história de amor verdadeira, acompanhando suas nuanças do início ao fim e formatando um roteiro musical, ainda que as canções tenham existência própria. Ao lado de Lefer (baixo), Maurício Braga (bateria) e Arthur Romio (guitarra, teclado e backing vocal) – que também responde pela produção musical –, Caian assume voz, guitarra, violão, piano e teclados. Também conta com participações especiais dos cantores Otto, Jajá Cardoso (Vivendo do Ócio) e Manuela Rodrigues (Skanibais), além dos músicos Marcelo Jesuino, Rafael Fraga e Thales Mendonça.
“Paixão e outras drogas” é o resultado de um trabalho amadurecido há 15 anos, tempo em que Caian desenvolve sua obra autoral e atua como músico envolvido em variados movimentos artísticos. Das 13 faixas, 12 são escritas por ele – duas delas em parcerias – e uma tem assinatura de Jarbas Bittencourt. “Só sei escrever do que vivo. E vivi um romance muito brutal, para o bem e para o mal, que marcou a minha virada dos 20 para os 30 anos, que me fez enfrentar a mim mesmo, que me reposicionou na vida, como fazem as grandes paixões. Criar esta obra foi parte e fruto de uma longa catarse”, resume Caian.
Sensações individuais, porém universais, revelam alegrias e ruínas, liberdades e vícios da paixão, e surgem na voz de um homem negro que reivindica outras narrativas possíveis para seu corpo, sem que jamais ignore o racismo estrutural brasileiro, evidenciado, inclusive, na chamada “guerra às drogas”, tema também marcado em seu título. Caian não adere ao apologismo, mas se posiciona diante da inevitável conexão entre as lutas antirracista e antiproibicionista, em atitude de desmistificação e denúncia do sistemático genocídio da população negra advindo desta realidade. “Dependentes químicos precisam ser cuidados e não criminalizados. A política de drogas no Brasil é um projeto que nos coloca a todos com o dedo no gatilho diante de comunidades e pessoas vulnerabilizadas. A moral conservadora e hipócrita do proibicionismo se estrutura no racismo que elenca os sujeitos que merecem sua privacidade preservada ou que merecem acusação e morte”, opina o artista.
“Paixão e outras drogas” foi produzido num processo entrecortado no tempo e no espaço pela pandemia da Covid-19 no Brasil, entre os estúdios Toca do Bandido (Rio de Janeiro/RJ), Papiris (São Paulo/SP) e Toco y Me Voy (Salvador/BA), com gravações realizadas entre dezembro de 2019 e dezembro de 2020 e pós-produção durante o ano de 2021. O processo de lançamento foi iniciado em dezembro, com o single e videoclipe “Novo eu”, cantado ao lado de Otto.
O trabalho gráfico e fotográfico do disco, realizado pela TANTO Criações Compartilhadas (Patricia Almeida, Fábio Steque e Daniel Sabóia), busca representar seu conteúdo, numa exposição em espelho da figura de Caian, personagem autobiográfico do enredo.
SOBRE CAIAN
Músico, compositor e cantor de Salvador, Bahia, Caian desenvolve trabalho autoral desde 2007 e possui vasto currículo como guitarrista. Tocou em todo o Brasil com Baco Exu do Blues, entre 2019 e 2020, na turnê do disco “Bluesman”. Já circulou pela Bahia com os também conterrâneos Dão, Marcela Bellas e Nabiyah Be, além do Trio Virgulino, de Pernambuco. É graduado em Música pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Lançou, em 2016, o álbum “Plutão”, pelo qual foi indicado ao Prêmio Caymmi de Música na categoria Revelação, e está lançando seu segundo disco, “Paixão e outras drogas”. Foi membro, de 2012 a 2020, do grupo Nossos Baianos F.C., um tributo aos Novos Baianos, com o qual tocou em diferentes ocasiões ao lado de Baby do Brasil. Assina a produção e direção musical de “Estereótica” (2021), primeiro disco solo do cantor e compositor baiano Pietro Leal. Atua ainda na produção e execução ao vivo de trilhas sonoras para artes cênicas e audiovisual, com destaque para “Dissidente”, da Companhia Teatro da Casa, com direção de Gordo Neto, estreada em 2012, pela qual foi indicado na Categoria Especial – Trilha Sonora do Prêmio Braskem de Teatro; para o musical baiano “Amor Barato”, dirigido por Fábio Espírito Santo, também de 2012 e que foi remontado em São Paulo em 2018, cumprindo temporada ainda no Rio de Janeiro; e para a obra cênica audiovisual “Web-Strips”, realizada em 2021 pela Dimenti Produções Culturais, com direção de Jorge Alencar. Saiba mais: www.ricardocaian.com.
FAIXA A FAIXA DE ‘PAIXÃO E OUTRAS DROGAS’ POR CAIAN
01 – Não me deixe mudo
A faixa de abertura é quase um prólogo, em que me apresento em primeira pessoa dando o tom do que virá ao longo do álbum. Esta canção nasceu de uma só vez, a partir do texto que por si apresentou um caminho melódico. O título “Não me deixe mudo” faz referência a uma canção de Walter Franco, “Me deixe mudo”: eu queria romper o silêncio, falar o que sou e vivi. A música veste uma roupagem mais clássica de rock, com guitarras, baixo e bateria, além de órgão, violão e pandeirola, numa sonoridade que remete ao rock canção de Cazuza.
02 – Comigo
A segunda faixa é ainda parte da abertura do álbum, onde o contexto é apresentado, mas ainda não as histórias. Uma conversa comigo mesmo, olhar para dentro, reconhecimento e autocrítica. Para escrever essa canção, contei com a parceria de Arthur Romio, produtor do disco, e do poeta Lahirí Galvão, que assina também o poema ao fim da música. É mais uma canção rock, dessa vez construída utilizando os instrumentos de guitarra, baixo e bateria de maneira horizontal, com linhas que se contrapõem à melodia principal. Uma faixa com muitos riffs e convenções, com direito a solo de bateria.
03 – Camikasa
Feat. Skanibais
Contando o início da história de amor, esta canção foi escrita quando jamais imaginaria que ela viria a ser parte de um álbum que fala também da desilusão deste mesmo amor. É uma letra sincera, a primeira injeção na veia dessa droga perigosa que é a paixão. A música surgiu com o riff da guitarra, que é baseado no círculo harmônico do pagode baiano, tocado no violão com a própria clave do groove arrastado, sentindo aquele clima de verão na Bahia. A ideia foi fazer uma espécie de suíte com movimentos diferentes, que vão da Jamaica, com o ska, a um reggae mais moderno americano, como do Sublime, passando pelo rock inglês (a harmonia de um momento é inspirada em “Starman”, de David Bowie), até cruzar o oceano de volta com o pagode legitimamente baiano, com o groove arrastado e todo o molho de percussão que cabe nesse suingue. Os sopros são da banda convidada, Skanibais.
04 – Pra você gostar
Da magia da paixão sendo vivida, mas já com alguns defeitos. É uma música metalinguística, uma canção sobre ela mesma. Compus para que minha amada gostasse, quase como uma sátira das coisas que ela curtia ouvir, diferentes do meu rock. Foi a minha tentativa de compor algo que soasse assim como Clarice Falcão, de melodia simples, fofa, mas com irreverência. A formação é a de rock tradicional, mas com piano e teclado como fios condutores do arranjo. As inspirações para o arranjo foram de Queen a Mika, rock’n’roll mais solar sem perder o direito a riffs e solo de guitarra, dobrado por um coro.
05 – Nez
Feat. Jajá Cardoso
Uma canção francófona traduzida nela mesma. A faixa desvia do foco da história de amor para a narrativa antiproibicionista e sobre dependência química, contexto que era também cenário do romance. O estilo remete ao rock jazz francês, mas com mais peso, uma formação crua a maior parte do tempo: guitarra, baixo, bateria e voz, com uns timbres de órgão compondo alguns momentos. A participação de Jajá Cardoso, da banda Vivendo do Ócio, é como se eu convidasse um amigo conterrâneo para traduzir a minha voz, em francês.
06 – Heroína
Esta canção poderia ser a faixa-título, pois relaciona os efeitos das drogas aos efeitos da paixão. Ainda que traga o tema de forma irreverente, é o anúncio de alguém enlouquecido e adoecido de paixão. A gravação recebeu uma espécie de “não arranjo” em suas três primeiras estrofes, como se a banda ainda estivesse descobrindo que música é essa em meio a uma tremenda ressaca numa passagem de som. O plano era que soasse com essa estranheza, com tudo gravado ao vivo, com todas as imperfeições planejadas e não planejadas, até chegarmos ao refrão, como se recebesse uma injeção de adrenalina que lhe resgatasse de qualquer porre. Daí se arruma uma balada romântica tradicional, com guitarras distorcidas, bandolins e sinos tocando, para ilustrar a apoteose máxima e o efeito dessa heroína.
07 – Rehab nº 2
O capítulo seguinte ao da overdose da paixão e drogas. Nessa canção em inglês, que surge inspirada na música country americana, como a de Johnny Cash, narro meus questionamentos sobre o que me levou à clínica e quais foram de fato as descobertas nesse processo. Essa faixa eu dedico à memória de Felipe Limande, um colega artista que faleceu no ano de 2021, com que dividi momento de descontração durante o tratamento, quando iniciei os primeiros acordes e versos da canção, que brinca ser uma sequência da diva Amy Winehouse. Na gravação, uma formação bastante tradicional faz fusão de instrumentos elétricos e acústicos.
08 – Semileito
Faixa que encerra o lado A ou inicia o lado B, ficando exatamente entre as que cantam a crença na paixão e as que falam de sua tragédia. Resume a história de amor que era vivida e o rompimento que se seguirá. “Semileito” é a imagem de uma viagem de ônibus após uma crise, mas também daquele semilar, daquele relacionamento pela metade, insuficiente. A música foi gravada exatamente como quando ela surgiu: voz e violão, numa levada que acompanha o que o texto precisa dizer em seu tempo. A faixa é absolutamente fruto de uma performance ao vivo, com todas as imperfeições e emoções aflorando na voz que canta aqueles versos.
09 – Novo eu
Feat. Otto
Lançada como single anterior ao disco completo e também em videoclipe, “Novo eu” é a sofrência de um roqueiro. Falo da obsessão romântica, da compulsão, do reencontro comigo mesmo após o fim da relação. Um rock de harmonia simples e uma melodia que remete à canção romântica brasileira se unem a um trabalho específico de texturas e timbres. A música tem participação do cantor Otto, um convite certeiro porque ainda antes era possível ouvi-lo cantando esta música, ela soa como sinto a obra dele. Além do pernambucano, outras inspirações nesta faixa são Morphine, Ben Folds Five e Nelson Gonçalves.
10 – Nem anjo, nem demônio
Coautoria com Paula Berbert, surgiu de nossas conversas sobre a vida e meus conflitos. “Nem anjo, nem demônio” fala de não sermos divinos nem amaldiçoados, de simplesmente sermos enquanto a vida existe. Por ter surgido de um poema, recebeu uma melodia a partir da letra e de como soaria na própria fala, tornando-se uma música que fazreferência ao rock progressivo, inspirada na obra do Supertramp principalmente. O texto vai crescendo junto com a música, culminando num solo de guitarra. Piano, baixo, bateria e elementos como palmas, órgãos, coros e guitarras compõem uma faixa curta, cantada de uma vez só, sem refrão.
11 – Não entendo?
Essa canção foi escrita durante um processo terapêutico. Cenas são recortadas, como flashbacks sombrios que culminam num refrão em tom maior, à luz do reconhecimento do meu próprio papel na história. A canção foi inspirada na obra de Neil Young, com sonoridade de balada melancólica, violões, linhas de baixo simples, alguns contrapontos melódicos. O músico Marcelo Jesuino, guitarrista notório do jazz, traz um timbre doce, da guitarra semiacústica com as dissonâncias do jazz se contrapondo à melodia principal, “poluindo” de maneira sútil a atmosfera da canção, que embala essa mente que não entende o que pensa e sente.
12 – Pico escorpião
Faixa que encerra o romance e o que eu tinha para narrar da história de amor vivida, com um rock mais ácido e ao mesmo tempo pop e dançante. Uma canção simples, composta com três acordes e melodia diatônica, mas que consegue alcançar em seus pontos culminantes o sentimento desse pico venenoso que é a paixão. Um certo tom de deboche e autoafirmação trazem humor à canção. A formação é basicamente de um power trio de rock, com solo de guitarra no final.
13 – A sós
Feat. Manuela Rodrigues
Há mais de 10 anos num encontro de compositores no Teatro Vila Velha, conheci essa canção de Jarbas Bittencourt na voz dele mesmo. Ela caiu como uma luva para ser a música que encerra essa obra. É como a cena final do filme, que conclui a dramaturgia. O silêncio, a distância, o tempo que há de resolver. Faço dueto com a cantora Manuela Rodrigues, que tem o rock marcado em sua obra, além do lirismo da sua formação e a versatilidade no canto. É uma letra curta, mas que vai se sobrepondo e se entrelaçando entre nossas vozes, parecendo ao fim uma conversa em que ninguém se escuta mais. Essa é uma música de compasso ímpar com referências no metal, muitas guitarras, distorções, uma variedade de timbres colorindo um arranjo de rock romântico.
Créditos: Yasmim Bianco